TEOBALDO VIRGÍNIO
O POETA, O ROMANCISTA, O FICCIONISTA AUTÊNTICO
Como começar a falar de Teobaldo Virgínio, o escritor, o poeta de Santo Antão que, apesar da sua bela idade, escreve belíssimos poemas de uma frescura de jovem apaixonado, sensação que continuo a ter ao ler o seu último livro de poesia “Folhas da Vida” em que o poeta se exprime de uma forma estética extraordinária, tanto na língua portuguesa como na nossa língua cabo-verdiana. Como romancista, é um comunicador natural que, com uma linguagem simples, consegue todavia engrandecer os seus romances com temas de grande interesse sociológico e político, numa prosa poética admirável que ameniza os conflitos, sem no entanto deixar de os desenvolver com realismo e autenticidade; e o que dizer do seu último romance, “Gaudêncio – o Filho Errante” em que o escritor faz-nos viajar pelas ilhas de Santo Antão, S.Nicolau e S.Vicente com um interesse e uma cumplicidade tão envolventes com a luta pela sobrevivência de Gaudêncio que sentimos a personagem com a mesma alma e a mesma emoção que estimularam o autor a construí-la. A autenticidade e a arte peculiar de narrar de Teobaldo Virgínio levam-me a colocá-lo na crista dos grandes escritores da nossa Literatura.
Vamos então fazer deste exercício de hoje uma conversa entre amigos, os meus leitores do Artiletra.
No dia 3 de Julho tivemos a honra de fazer na nossa Associação, Associação dos Antigos Alunos do Ensino Secundário de Cabo Verde, o lançamento de “Vida Crioula”, de Teobaldo Virgínio, reeditado pela Vega Editora.
Virgínio chegou cedo, com o seu ar calmo e jovial. Pareceu-me rejuvenescido; não o via há dez anos e aceitou amigavelmente conversar comigo para a tal entrevista que a Larissa, no seu entusiasmo contagiante de sempre, me “encomendou” quando, pelo telefone, lhe dei a notícia da iniciativa da Vega Editora de escolher a Associação para esse evento. É muito difícil dizer um não à Larissa.
- Pois bem, Larissa, entrevista, entrevista não, nunca fiz nenhuma. Mas uma conversa informal com o poeta, porque não? O importante é que Teobaldo Virgínio fale de si próprio e fiquemos com esse registo nos nossos corações. Tem mesmo de ser assim.
Virgínio conhece-me de menina, no Tantchon, em S.Nicolau. Escreveu-me, recentemente, numa das suas cartas:” São Nicolau! Logo te vi no Tantchon. Trazias flores nos cabelos, teu vestido! Já não me lembro da cor, um leve-azul?”
E noutra carta: “Adorei a vossa casa, o vosso amor, o vosso Tantchon. Teu pai e tua mãe – a simpatia. Tua mamã dava-me vinho de Porto com camoca, achava-me fraquinho para carpinteiro.”
Desde sempre as nossas famílias foram muito unidas. Assim, é com muito gosto que hoje vos vou falar do lançamento de “Vida Crioula”, do grande projecto da Vega Editora, afinal o tema deste nosso bate-papo.
Havia ainda pouca gente na Associação e pude dialogar calmamente com Teobaldo Virgínio:
- Virgínio, já te disse que estou imensamente feliz com este Encontro neste nosso espaço cultural. E tu, o que sentes, o que esperas desta festa, deste carinho que queremos fazer-te, com o lançamento da tua “Vida Crioula”reeditada?
- Para mim é um prazer ter esta oportunidade de estar aqui entre os cabo-verdianos que são a razão da minha escrita e, espero, naturalmente ficar muito mais feliz, por poder conversar com conterrâneos meus, trocar impressões, ver a nossa gente, sentir o nosso Cabo Verde: é para mim muito importante. Levarei esta experiência para a América que contarei aos outros cabo-verdianos, porque sabes, lá também estou constantemente com eles, nos lançamentos dos livros, visitando amigos e também em algumas festas que fazem, isso é muito bom. É uma continuação: Cabo Verde, Lisboa, América
- É mesmo assim, Virgínio. Era o que eu pensava. Fala-me um pouco do teu recente regresso a Santo Antão. Soube que te fizeram uma linda homenagem. Gostava de ouvir, pela tua voz, um bocadinho do teu sentir.
- Olha Lilica, eu não sei. Sempre vivi muito só; estou falando por exemplo de uma convivência com colegas de literatura. A minha vida tem sido muito solitária neste aspecto. Então, na América, tão longe e, de repente receber um convite do Eng.º da Câmara da Ponta do Sol para lá ir e ser homenageado, ser filho daquela terra e ao mesmo tempo um escritor (Virgínio ri-se satisfeito). Para mim é bastante estimulante e de muita alegria, de muita satisfação. Os dias foram curtos mas intensos em contactos, troca de impressões e discursos. Gostei também muito de ver a nossa terra com algum progresso, sobretudo falando de estradas e portos. Não sei se te falei pelo telefone, Ponta do Sol pareceu-me mais pequenino, todavia está duas vezes maior.
- Sim, disseste-me.
- Já há muitas casas, mas em relação ao que tinha deixado em criança, achei aquilo mais curto, mas parece-me que isso é um fenómeno natural.
- É natural, Virgínio. Quando regressei a Cabo Verde, em 1963, depois de 13 anos de ausência, (tinha saído com 7 anos para Moçambique), as casas de S. Vicente pareceram-me minúsculas. A sério! Semelhante às casas do Portugal dos Pequeninos (Virgínio ri-se com graça) Mas a imagem que guardo da entrada de barco entre S.Vicente e Santo Antão, é das imagens mais belas que tenho vivido no mundo.
- Para mim então, foi ao contrário, já S.Vicente pareceu-me grande, pareceu-me maior. S. Vicente agora está rodeado de vários Mindelos, tudo quanto era arredor, agora é Mindelo mesmo. A cidade está bastante desenvolvida e Praia, Santiago também. Olha, foi encantador ver Cabo Verde, sentir Cabo Verde, comer a cachupa; não gostei tanto da cachupa oferecida nos aeroportos, não é muito bem feita, e disse – “vocês fazendo esta cachupa como prato de reclame de um prato cabo-verdiano, deviam ter mais cuidado.” Bom, mas isso … se é realmente propaganda da culinária cabo-verdiana, me pareceu feito muito à pressa.
- Tens razão, para quem está de passagem e não teve oportunidade de comer uma boa cachupa, não fica com muito boa impressão.
- Sim, só estou dizendo isto como conversa, mas sem qualquer intenção. O resto tudo me agradou bastante, bastante.
- Outra coisa, Virgínio. Lembras-te quando apresentaste o meu livro “A Ternura da Água”, em Pawtucket e a propósito do poema “Recado para as ilhas” disseste – “a Lilica oferece tudo às suas ilhas, flores, aves raras, água, chuva, florestas…?
- Lembro-me, sim.
- Então… tu, se tivesses essa possibilidade, que para mim não passou de um sonho, o que oferecerias à tua ilha, além do tanto que tens oferecido: a tua poesia, as tuas novelas, os teus romances em que as personagens são tão reais que nos fazem respirar o nosso Cabo Verde o tempo inteiro…?
- É difícil, o que é que poderia oferecer? É como dizer – o que é que eu ofereceria…claro, é diferente oferecer a uma namorada uma flor, um anel… é uma coisa. Agora à minha ilha ofereço a minha velhice, a minha pessoa, a minha solidão, o meu amor, a minha saudade sobretudo. Tudo quanto me inspira tem qualquer coisa de Cabo Verde. Isso é a melhor oferta que posso fazer, é lembrar-me de Cabo Verde, sentir Cabo Verde e procurar em todo o momento dignificar a minha ilha, a minha terra, o meu Cabo Verde.
- Muito bonito, Virgínio. Não te quero cansar muito mas a conversa está a ser tão agradável! Sei que estás com mais um livro a sair. Diz-me só, que livro é, qual o tema, assim… em poucas palavras.
- Estás a falar do livro que vai ser lançado hoje?
- Não, um livro que estás a escrever. Ouvi dizer qualquer coisa.
- Ah! Um novo livro?
- Sim, um novo livro.
- Ah, bom! Não…mas não é um novo livro, são três livros.
- Sim?
- Mas, agora… eu não garanto a finalização, porque sabes, estes livros estão… como é que nós dizemos… na fase de… manuscrito.
- Isso, manuscrito.
- Então… vou ter de trabalhar com um homem de computador, e aquilo, entre mim e ele, leva um ano para pôr um livrinho em ordem. Bom, mas eu posso dar-te pelo menos os títulos. Um deles é um livro sobre o Outono. São quadros, duma prosa poética, que é praticamente, quer dizer, a minha despedida, sem chorar… (Virgínio ri-se).
- Sem chorar, compreendo. (rimo-nos os dois)
- Já tenho 80 e tantos anos e, essa coisa do Outono…é realmente a minha despedida, e ali eu apuro o máximo possível para que a poesia saia realmente… agora vou usar este pleonasmo… saia poética de facto… mas são quadros em prosa. Lembrei-me então de que me falaste dos teus próximos livros ou trabalhos em que ias fazer uma mistura de prosa e poesia.
- Sim, falei-te nisso.
- Pois, talvez este livro seja assim, mas a base é prosa. Agora há um outro que é “A Minha Aldeia”.
- Ah, “A Minha Aldeia”! É esse mesmo.
- Já tinhas ouvido falar?
- Sim.
- “A Minha Aldeia”, esse é todo ficcionado, se eu fosse filósofo, chamar-lhe-ia um livro de um filósofo mas como não sou, vou chamar-lhe o livro de um homem que faz uma selecção social, material e climatérica e põe nesta “minha aldeia” só coisas do meu ideal.
- Virgínio, esse vai ser um livro delicioso.
- Não consigo dizer-te tudo de uma vez.
- Fico muito satisfeita com os quadros que me descreveste.
- Pelo menos aqui está uma perspectiva.
- Está sim e bem clara. Gostei muito da reedição da tua “Vida Crioula” pela Vega Editora e sei que vão continuar esse trabalho com a tua obra. O Dr. Assírio falou-me na reedição de”Distância I” e disse-me que a intenção é continuar com esse projecto.
- Sim, é prosseguir.
- Diz-me Virgínio, como nasceu esse projecto?
- Devo isso ao Fragoso.
- Ah! Ao Dr. Fragoso. Compreendo agora tanto entusiasmo dele em todo este processo.
- É que eu não conhecia o Dr.Assírio. O Fragoso foi à América há uns dois ou três anos, já não me lembro bem. Falámos e ele, naturalmente como vivem no mesmo prédio e são bem relacionados, deverá ter-lhe dado as informações a meu respeito. De Lisboa o Fragoso escreveu-me uma carta dizendo que confiasse absolutamente nesse representante… na Nova Vega, não?!
- Sim, Nova Vega.
- OK, perguntou-me então se eu estava interessado em colaborar no projecto desse Senhor, que era… ressuscitar a minha obra. Essa a palavra certa. Gostei de ouvir isso – sim senhor – entrámos em contacto e já chegámos à primeira fase.
- E gostaste do trabalho, do rosto do livro?
- Sim, sim. Gostei de tudo.
- Eu também gostei muito. Vais ter agora os teus livros nas Livrarias, portanto outros leitores e leitores mais jovens passarão a conhecer-te, e nós vamos ter a oportunidade de relê-los.
- Sim, é bom porque não tenho nenhum livro nas Livrarias e este livro já foi escrito há 40 anos.
- Eu sei…
- O meu irmão António revendo este livro, está a gostar mais do que quando o leu há muitos anos.
- Sim, ele disse-me. Vamos ter que terminar esta nossa conversa, com muita pena minha. Obrigada pela tua paciência.
- Para mim foi um prazer grande. Um abraço para aquela gente do Artiletra. Manda-lhes o meu endereço para me mandarem alguns exemplares.
- A Larissa já me tinha pedido para retomarem o contacto pois, como me disse, tu foste dos seus primeiros colaboradores.
- Fico à espera, com muito prazer, e que tenham muito sucesso no seu trabalho. Eles são mesmo persistentes!
- Sim são. A Larissa é de um entusiasme grande e deve continuar a ser estimulada por nós todos.
- Sim, sim. Já publicaram muito.
- Nós aqui na Associação, também vamos acarinhar-te o máximo. Hoje vai ser o teu dia, um dia de festa.
- OK. Obrigada, sim! Oxalá.
Na primeira fila as duas irmãs de Teobaldo e artistas do Grupo Cénico
Foi, realmente, uma comemoração o lançamento do romance “Vida Crioula” de Teobaldo Virgínio, com a casa cheia e alegre, como tinham planeado e desejado, com todo o coração, o editor da Vega, Assírio Bacelar, o seu assessor Vítor Navalho, o nosso conterrâneo Francisco Fragoso (Kwame Kondé) e a nossa Associação.
A apresentação do romance esteve a cargo do Dr. Francisco Fragoso, a pessoa que impulsionou a reedição de “Vida Crioula” e que iniciou a sessão com um preâmbulo, para uma breve e merecida homenagem ao irmão de Teobaldo Virgínio, o nosso saudoso Luís Romano que nos deixou em Janeiro deste ano de 2010.
Assírio Bacelar, que conhece bem o bom convívio (palavras suas) da nossa Associação, de outras iniciativas por eles promovidas com sucesso neste nosso espaço cultural envolvendo Manuel Lopes e Gabriel Mariano, centrou o seu discurso na responsabilidade da Vega Editora na nova edição de Vida Crioula de Teobaldo Virgínio, com quem já mantém estreitos laços de amizade, integrando-o no extenso número de autores que, a vários níveis, enformam a colecção Palavra Africana, criada exclusivamente para dar voz e divulgar o melhor da escrita destes autores, citando Manuel Ferreira pela acção que também desenvolveu nesse sentido. Revelou também nomes consagrados como o caso do escritor e poeta Arménio Vieira, recentemente distinguido com o prémio Camões, de quem publicaram o seu melhor livro de ficção, O Eleito do Sol, e outros nomes relevantes como Aurélio Gonçalves, Baltazar Lopes, Gabriel Mariano e Manuel Lopes. Agradeceu a todos os presentes que lhes deram o prazer de compartilhar o significativo passo da sua existência e a de Teobaldo Virgínio, a morabeza, a sã convivência e fraternidade, o ambiente festivo e o espírito de colaboração com que os responsáveis da Associação têm acolhido eventos promovidos pela sua editora. Por fim, enalteceu, muito justamente, a predisposição de Francisco Fragoso não só em aceitar apresentar Vida Crioula, pelos laços de amizade que desde sempre o ligaram a Teobaldo Virgínio, bem como em enriquecer o evento com a participação do seu Grupo Cénico Tchon di Kau Berdi.
Helena Benrós, Assírio Bacelar, Carlota Alves, Teobaldo Virgínio e Francisco Fragoso
Viriato Gonçalves felicita Teobaldo Virgínio
Francisco Fragoso fez uma brilhante apresentação de Vida Crioula, frisando logo de início - “um dos pontos fundamentais desta excelente obra, é que não é para ler mas para estudar; tomar notas, riscar, estudar… que merece isso.”
- “Há aspectos bastante relevantes, importantes, neste romance de Teobaldo mas menciono apenas um – o facto do erotismo na literatura”- comenta Fragoso. Realça que – “o erotismo neste livro aparece de uma forma tão extraordinária, na sua solução estética e artística, de uma forma magistral.”
Dá-nos então uma douta lição da diferença entre o erotismo e a pornografia e faz-nos ver que –“neste romance de Teobaldo há erotismo na sua solução mais nobre, ou seja, vê-se que há um toque dos grandes clássicos do erotismo.”
A exposição de Fragoso foi inteligentemente abrilhantada com a leitura expressiva de excertos de Vida Crioula e com uma extraordinária exibição da coreografia dos artistas do seu Grupo Cénico Tchon di Kau Berdi.
Momento de homenagem a Luís Romano
Francisco Fragoso e o coreógrafo do Grupo Cénico Tchon di Kau Berdi em actuação
Momento extraordinário de actuação da dançarina do Grupo Cénico Tchon di Kau Berdi
Terminámos a nossa festa com a palavra de Teobaldo Virgínio que, emocionado e visivelmente satisfeito, se dirige a todos que ansiosos aguardam ouvi-lo:
- É muita festa, muita palavra, não tenho capacidade para ouvir toda esta oferta, todo este amor, toda esta alegria, porque quando uma pessoa tem muito a dizer é que não consegue dizer nada. É muito prazer para mim estar entre vós, sobretudo entre os cabo-verdianos que são a razão de toda a minha obra literária. E se ela tem algum valor, o maior valor dela sois vós. Cabo Verde dentro do meu coração, o meu povo dentro do meu coração, na minha alma, no meu espírito, no meu pensamento, na minha inspiração. Desejo muitas felicidades a todos vós, à minha terra e agradecer tudo o que foi feito aqui em minha honra, da parte do Fragoso, dos Directores da Nova Vega, com o propósito de acordar a minha obra que está a adormecer e dos Dirigentes desta Associação. Estou muito grato e desejo muitas felicidades a todos vós. Gostaria também de dizer à minha família que se pusesse em pé… (neste momento, muita gente se levanta rindo alegremente, por se considerar família, mesmo os mais afastados).
- Um abraço para todos e um beijo grande para toda a minha família.
Elsa Rodrigues dos Santos felicita Teobaldo Virgínio
Dançarina do Grupo Cénico Tchon di Kau Berdi suscita muitos aplausos
A sessão terminou em grande festa, com muitos aplausos, muita alegria, abraços e beijos e Teobaldo Virgínio, no meio de tanto contentamento, ainda teve de escrever muitos autógrafos na “Vida Crioula” e nos seus dois últimos livros que também foram revelados neste Encontro memorável, “Folhas da Vida” e “Gaudêncio - o Filho Errante”.
Carlota de Barros
Lisboa, 10 de Julho de 2010
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